Ultimamente tenho refletido bastante sobre o conceito de emancipação e sobre os mecanismos que o impulsionam. O confinamento, através de seus vitrais embaçados pela solidão das ruas vazias, parece ter aberto portais alternativos dentro de nossas individualidades, facilitado acessos antes proibidos, questionamentos antes engolidos pelas rotinas insaciáveis, mecanizadas pelas noções ensaiadas de tempo e trabalho. De mesmo modo, as opressões, desde sempre perpetuadas socialmente, perduram de maneira descarada, e são intensificadas as romantizações doentias da exploração e da pobreza. É aterrorizante pensar que as próprias reflexões que fazemos são sinais claros dos privileǵios que possuímos. Muitos de nós lutam pelo alcance de direitos básicos. Muitos de nós não são contemplados por grande parte dos discursos que circulam nas mídias. O olhar acerca da liberdade deve ser, portanto, constituído de uma série de intersecções, que nos perpassam enquanto indivíduos. Vivemos em uma sociedade caótica, que naturaliza relações opressoras e violências coletivas, e que deturpa as visões que nutrimos sobre nós mesmos. Nesse contexto, como é possível, então, reestabelecer conexões ancestrais, ressignificar identidades, encontrar refúgios? A Arte, na minha percepção, é uma das manifestações que nos permitem tecer caminhos paralelos, de autoconhecimento e renovação. Fascina-me aprender sobre a participação essencial das mulheres na História da Arte, sobre suas biografias entrecortadas por vivências diversas, suas obras únicas coloridas pelos aspectos mais peculiares de suas personalidades, seus anseios, seus sonhos. É um território vasto, no qual podemos nos perder inúmeras vezes, diante da infinidade de sentimentos e acontecimentos expressados, e, curiosamente, nos encontrar. Nesse sentido, acredito que a expressão artística é, também, uma forma de realizar reconexões com o feminino, com o corpo e o espiritual, os quais afastam-se de maneira abrupta devido às normas impostas pelo patriarcado. O autoconhecimento é uma arma poderosa. Por outro lado, a natureza é a junção de todos os elementos com potencial de cura e harmonização. Modificar a forma como nos relacionamos com a natureza é também modificar a forma como nos relacionamos com nós mesmos, visto que somos parte de uma cadeia inteiramente interligada, interdependente. Filmes como os de Hayao Miyazaki sempre me lembram dessas ideias. A combinação entre a mitologia e a natureza para explicar comportamentos humanos modernos é genial. Novamente, a arte se revela como um agente fundamental, incrustado em tudo o que existe no planeta. Artistas como Frida Kahlo, Marina Abramović, Lois Mailou Jones, Tarsila do Amaral, Edmonia Lewis e Lorna Simpson me fazem querer mergulhar cada vez mais nesse universo, até que eu me afogue no mar de sensibilidades, geometrias e retratos que movem o curso das vibrações internas das minhas inquietudes. É belo, é frágil, é efêmero, é duradouro, é dolorido, é caloroso. Estranhamente, até mesmo nesses espaços, a clandestinidade das pressões externas me sufoca. Sou e não sou dona das minhas próprias verdades, sou impelida a criar, e, simultaneamente, a temer o resultado final. Tenho ânsia pelo processo de produzir, e me perco nesse jogo da produtividade cega, da qualidade impecável, das opiniões entrecortadas. Sou e não sou artista: crio, na maior parte do tempo, para mim mesma. Consumo meus próprios trabalhos, descarto, hesito. Por ora, vivencio minhas experiências lentamente, construindo possibilidades alternativas. Liberto-me, antes de tudo, de minhas próprias amarras internas. Afinal, uma das primeiras batalhas a serem travadas é com nós mesmos. A emancipação é um recorte contínuo, e, nesse processo, sou aprendiz nata.
Texto: Gabriela Queiroz
Desing: João Vítor Lima

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