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A importância da educação sexual nas escolas

Foto do escritor: csmnewscsmnews

Quando a discussão sobre a educação sexual se inicia, estamos acostumados a associá-la com aulas formais nas escolas, geralmente lecionadas por professores de Biologia, que falam sobre os sistemas reprodutores, gravidez e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s). Apesar da fisiologia ser uma das áreas exploradas pela educação sexual, esse tipo de estudo aborda uma grande variedade de assuntos.

A educação sexual é um processo que visa educar crianças e adolescentes a respeito do próprio corpo e sexualidade, criando um espaço acolhedor e interativo onde todos se sintam confortáveis em compartilhar experiências e esclarecer dúvidas. Ela é fundamental no combate à desinformação, ao abuso infantil, à gravidez na adolescência, à transmissão de IST’s, a tabus , etc. As aulas não são apenas expositivas e o professor deve abrir espaço para discussões e conversas sobre os temas abordados.



Contexto histórico

Infelizmente, assuntos relacionados ao sexo são constantemente reprimidos, consequência de inúmeros tabus que giram em torno dessa temática, o que atrasou muito a implantação de uma educação sexual adequada nas escolas.

Apesar de essa discussão não ter sido iniciada recentemente, seus objetivos iniciais visavam aspectos que, hoje em dia, não são considerados saudáveis e éticos. Existem registros que apontam o surgimento desse tipo de educação no século XVIlI, na França. Entretanto, ela não combatia a desinformação; apenas reforçava tabus e mitos sobre o sexo. Os objetivos iniciais, além do controle de doenças venéreas e promoção de relações sexuais seguras, eram o combate à masturbação, proteger crianças dos “perigos” da sexualidade, proibição de abortos, etc.

No Brasil, o início da história da educação sexual não foi diferente. Em 1920, as primeiras preocupações sobre o assunto começaram a surgir. O ensino visava ao combate à masturbação e aos “desvios sexuais” (práticas homossexuais passam a ser vistas como doenças), orientava mulheres para serem “boas mães e esposas”, além da orientação para uma reprodução saudável. Nas décadas de 50-60, o predomínio da Igreja Católica no sistema educacional promoveu um movimento religioso e político de repressão sexual, que perdurou por alguns anos.

O ensino adequado da educação sexual só começou tomar forma na década de 80, consequência da venda de revistas eróticas (que eram proibidos previamente) e do surgimento de enciclopédias destinadas a responder dúvidas sobre a sexualidade. Isso gerou uma série de novos comportamentos que questionavam o preconceito e as sólidas tradições conservadoras da época, sendo um grande marco para o avanço desse tipo de ensino.

Na década de 90, a pandemia da AIDS gerou medo popular e uma necessidade urgente de falar sobre o assunto. Sendo o Brasil uma referência nas campanhas de combate ao contágio do HIV, as escolas passaram a conscientizar seus alunos sobre o uso correto da camisinha nas relações sexuais. Entretanto, o diálogo mais aprofundado sobre outros aspectos da educação sexual, como identidade e orientação sexual, só passa a surgir décadas depois.

Educação sexual na atualidade brasileira

A importância desse tipo de ensino já é de conhecimento geral na academia. Os benefícios da educação sexual já foram comprovados e pesquisas sobre o assunto continuam sendo cada vez mais desenvolvidas com o objetivo de oferecer um ensino adequado e eficaz.

Entretanto, os tabus em torno do sexo continuam muito presentes na nossa sociedade. Numa pesquisa feita por Mary Neide Figueiró, psicóloga pela Unesp que estuda o tema há mais de 30 anos, menos de 20% das escolas públicas brasileiras oferecem uma educação sexual ampla e contínua no Ensino Fundamental. A pesquisadora afirma que houve um retrocesso em relação aos anos 2000, época em que se falava mais abertamente sobre a sexualidade.


O ensino da educação sexual

A educação sexual pode acontecer formal ou informalmente. A educação informal é a mais comum, sendo exercida diariamente. Ela é definida pela série de atitudes espontâneas (verbais e não-verbais) que ensinam sobre relacionamentos, sexualidade, respeito ao próximo e a si mesmo, conhecimento do próprio corpo, etc.

Elas são fundamentais na formação inicial da criança, uma vez que influenciam na sua percepção sobre esses assuntos ao longo da vida. Por exemplo: se uma criança procura adultos para tirar dúvidas sobre sexo e recebe um tratamento ríspido, de censura, ela internaliza que esse assunto é errado, que não se deve conversar sobre. Já a educação sexual formal é aquela que é planejada previamente, podendo acontecer tanto dentro da sala de aula, por meio de professores, como dentro de casa, através de familiares, com o intuito de ensinar conceitos e valores ligados à sexualidade, relacionamentos e conhecimento do próprio corpo.

Numa monografia feita por Michéle Ferreira de Lima Mansor, em 2011, é analisada de forma clara uma proposta de currículo de educação sexual para crianças do Fundamental l, feita pelo Guia de Orientação Sexual, que traduz bastante o objetivo desse tipo de ensino como um todo. Ele deve oferecer condições para que o sujeito possa:

No desenvolvimento humano:

● Gostar de seu próprio corpo, desenvolvendo autoestima;

● Buscar maiores informações a respeito da reprodução;

● Encarar a sexualidade sem culpa, entendendo que ela faz parte do desenvolvimento humano sem necessariamente implicar em reprodução;

● Relacionar-se com respeito e responsabilidade;

● Respeitar e reconhecer as diferentes formas de orientação sexual; Nos relacionamentos:

● Identificar e expressar sentimentos, desenvolvendo relacionamentos significativos;

● Usufruir de intimidade e prazer;

● Defender-se de vínculos nos quais se sinta manipulado ou explorado;

Na comunicação:

● Pensar por si mesmo em situações-problema, avaliando alternativas e consequências;

● Buscar informações e ajuda quando necessário;

● Responsabilizar-se por suas decisões;

● Considerar a comunicação uma forma de expressão importante nos relacionamentos;

● Ser receptivo às mensagens dos outros; No comportamento sexual:

● Usufruir e expressar a própria sexualidade ao longo da vida, vivendo-a de acordo com os próprios valores;

● Buscar informações para esclarecer dúvidas e desenvolver a própria sexualidade;

● Identificar comportamentos sexuais enriquecedores e prejudiciais a si e aos outros;

● Reconhecer os próprios limites sexuais e respeitar o dos outros;

● Ser capaz de conversar e buscar ajuda;

Na saúde sexual:

● Aprender a conhecer o próprio corpo e como cuidar dele;

● Prevenir-se de abusos sexuais;

● Valorizar a saúde do corpo como condição necessária para usufuir de prazer sexual;

● Escolher um método anticoncepcional que considere características pessoais;

● Ser capaz de manusear o uso de preservativos;

● Fazer consultas médicas periódicas;

Na sociedade e cultura:

● Vencer tabus e preconceitos relacionados à sexualidade;

● Respeitar pessoas com valores sexuais e estilos diferentes do seu;

● Defender o direito de todos de obterem informações precisas sobre a sexualidade;

● Evitar comportamentos discriminatórios e intolerantes;

● Rejeitar estereótipos a respeito da sexualidade e dos gêneros.

Os conceitos e tópicos fundamentais na construção do currículo são:

● Desenvolvimento humano: fisiologia, reprodução, puberdade, corpo e autoestima, atração heterossexual, homossexual, bissexual e a assexualidade;

● Relacionamentos: família, amizade, amor, namoro e relacionamentos casuais, casamento, maternidade e paternidade;

● Comunicação: valores, decisões, assertividade, negociações, buscar ajuda;

● Comportamento sexual: sexualidade, masturbação, vida sexual compartilhada, desejo e prazer sexual, fantasias, disfunção sexual;

● Saúde sexual: métodos contraceptivos, aborto, IST’s, HIV, abuso sexual;

● Sociedade e cultura: relações de gênero, sexualidade e religião, direito, cidadania, diversidade, a sexualidade na mídia e nas artes

Fonte: Guia de Orientação Sexual – Diretrizes e Metodologia GTPOS-ABIA-ECOS – Fórum Nacional de Educação e Sexualidade





Os principais mitos sobre a educação sexual

01. A educação sexual ensina e incentiva crianças a fazerem sexo.

Muitos pais se mostram resistentes à implantação desse tipo de educação nas escolas por acreditarem que seus filhos serão orientados a iniciarem a prática sexual. Um estudo realizado pela OMS analisou mais de mil relatórios sobre os feitos da educação sexual no comportamento de jovens todo o mundo, e seus resultados comprovam que crianças e adolescentes que discutem sobre sexualidade (tanto em casa quanto na escola) tendem a iniciar suas vidas sexuais mais tarde em comparação com aqueles que não o fizeram. Isso acontece porque através da conscientização a respeito dos riscos e responsabilidades que surgem junto com a vida sexual, é desenvolvida uma noção sobre sua seriedade. O método contraceptivo mais eficaz é a disseminação de conhecimento.

02. Evitar falar sobre sexo com crianças e jovens é protegê-los de conceitos que eles ainda não são capazes de entender.

Apesar de o sexo ser tratado como algo sujo e proibido por grande parte da sociedade, nós somos constantemente bombardeados com conteúdos de cunho sexual desde a infância. Muitas músicas, propagandas, novelas, filmes e até mesmo desenhos animados apresentam, mesmo que disfarçados, diálogos e cenas de romance, sexo, homossexualidade, abuso, gravidez, transsexualidade, etc.

Privar crianças desses conceitos não impede que aconteça um contato entre eles, e a curiosidade é uma característica natural do ser humano. Sem conversas com adultos responsáveis para tirar dúvidas, é comum que estas sejam sanadas através de amigos mais velhos, e, principalmente, na internet. Em uma pesquisa feita em 2018, divulgado pelo canal Sexy Hot, cerca de 22 milhões de brasileiros assumem consumir pornografia. Somado a esses dados, uma pesquisa de 2019 feita pelo programa TIC Kids Online, com o objetivo de analisar o acesso de menores à pornografia no Brasil, apontou que de 3.102 jovens de 9 a 17 anos, cerca de 620 tiveram acesso a imagens ou vídeos eróticos em 2017.

Assim, o sexo passa a ser visto de uma perspectiva totalmente distorcida e cruel, já que a maioria dos sites não possuem um sistema de fiscalização adequado e oferecem vídeos de abuso sexual, tráfico de mulheres, pedofilia, estupro, violência, etc. E, ao contrário do que muitos acreditam, é esse tipo de comportamento que pode levar ao início da vida sexual precoce e irresponsável.

Impedir que as crianças aprendam sobre a sexualidade de uma forma correta e segura não os “protege”. Isso só oferece mais riscos tanto para as crianças quanto para a sociedade como um todo.

03. A educação sexual incentiva crianças a se tornarem homossexuais.

Durante esse tipo de ensino, crianças aprendem questões sobre o corpo e sexualidade. Logo, assuntos como a orientação sexual não devem ser deixados de lado, porque fazem parte desse grande espectro de conteúdos.

Não há nenhum tipo de “incentivo à homossexualidade” durante as aulas, o que é, inclusive, ilegal. O objetivo da educação sexual é, assim como o de qualquer matéria escolar, garantir a apropriação de conhecimento, desenvolver habilidades e contribuir para o desenvolvimento integral do aluno.

Oferecer um espaço adequado e respeitoso para falar sobre esse assunto específico não só contribui para a formação acadêmica dos alunos, que é o papel da escola, mas auxilia imensamente no combate à LGBTfobia, uma vez que a disseminação de conhecimento e informação evita que esses conceitos (que não surgiram recentemente) sejam interpretados de forma errônea e violenta, o que origina e perpetua o preconceito.

Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2015 a 2017, foram registradas 24.564 notificações de violência contra pessoas LGBTQ+, sendo 57,6% homossexuais e 46,6% transexuais. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQ+ no mundo, sendo uma morte a cada 23 horas, ocasionadas principalmente por homicídios e suicídios. A urgência da educação sexual está presente nesses dados, uma vez que a grande maioria dessas mortes é fruto do preconceito, da ignorância e da intolerância, que podem ser combatidos dentro da sala de aula.

04. A educação sexual é um papel exclusivo da família.

Sem dúvidas, a família exerce um papel muito importante na educação sexual. O que ensina pessoas a se relacionarem, influenciando na percepção sobre amor, corpo, relacionamentos, respeito ao outro e autoconhecimento pode ser considerado um tipo de educação sexual. Por serem a referência principal na formação inicial de uma criança, os pais estão constantemente exercendo esse tipo de ensino, mesmo sem perceberem.

A forma como se relacionam e como tratam a criança, ensinando-a que ela é digna de amor, respeito e carinho, assim como seus colegas, é educação sexual. Além disso, por serem a referência principal dos filhos, é comum que sejam a fonte pela qual eles procuram tirar dúvidas sobre a sexualidade, e esse tipo de diálogo também é educação sexual.

Entretanto, esse papel não é exclusivo da família. Vale lembrar que, infelizmente, 73% dos casos de violência sexual infantil acontecem dentro da casa da vítima ou do abusador, cometida pelo pai ou padrasto em 40% das denúncias. Grande parte das crianças abusadas em casa são identificadas através de professores. Logo, a escola possui um papel fundamental não só na identificação de casos, como na sua prevenção, que é um dos objetivos principais da educação sexual.

Por lei, a escola é responsável pela formação moral e acadêmica de seus alunos, promovendo uma construção moral e ética integral do indivíduo. Assim como na família, a educação sexual é exercida na escola, mesmo sem a intenção. Desde a separação da turma em filas de meninos e meninas à relação entre as pessoas no ambiente escolar educam crianças a como se relacionar. Logo, é essencial que essa educação seja exercida tanto em casa quanto na escola.


Os benefícios da educação sexual

Durante o ensino da educação sexual, os jovens têm acesso a um local seguro, onde podem compartilhar suas experiências, tirar dúvidas e aprender de forma natural e eficiente. Todos os estudos feitos sobre esse tipo de educação em torno do mundo comprovam que os alunos tendem a iniciar a vida sexual mais tarde, possuem maior conhecimento sobre questões ligadas ao próprio corpo e como se proteger, estão cerca de seis vezes mais protegidas do abuso sexual, escolhem melhores parceiros, com os quais mantêm relações saudáveis, estão menos envolvidos com gravidez precoce e IST’s e se divertem durante as aulas.

Portanto, é essencial que a sociedade como um todo se conscientize em relação ao ensino da educação sexual, entendendo sua necessidade e exigindo que ela comece a ser lecionada da maneira correta nas escolas. É através da disseminação do conhecimento e do respeito que conseguiremos evitar muitos dos problemas que enfrentamos atualmente, como o abuso infantil, transmissão de IST’s, preconceitos em geral e, principalmente, a perpetuação da ignorância.

Redação e pesquisa: Maria Clara Campos

Design: Cecília Pereira Melgaço

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