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O outro lado da tela: Professores e o ensino remoto

Foto do escritor: csmnewscsmnews

O ensino remoto emergencial (ERE) é uma realidade que os alunos do Colégio Santa Maria Minas têm vivido durante o isolamento social, consequência da pandemia de Covid-19. Com pouco tempo de planejamento e discussão, a comunidade escolar foi pega de surpresa, precisando se adaptar às novas circunstâncias da noite para o dia. Apesar dos esforços, todos nós estamos enfrentando dificuldades, tanto para aprender como para ensinar. Os resultados dessas mudanças estão sendo recebidos em tempo real, e grande parte do corpo docente nunca foi treinada para ensinar online.

A discussão sobre o ERE, muitas vezes, foca na experiência dos alunos, dificuldades de aprendizado e na nossa saúde mental por ter que lidar com tudo isso (o que é extremamente válido e importante), entretanto, precisamos incluir professores na conversa, uma vez que estes estão sob constante pressão e, sem preparo para tal, isso pode ser muito estressante. A saúde mental desses profissionais precisa ser levada em consideração e, muitas vezes, esquecemos que eles não são máquinas. Por isso, alguns alunos do Colégio Santa Maria Minas realizaram uma entrevista com 6 professores do nosso corpo docente, determinados por um sorteio, a fim de entender um pouco mais como essas mudanças influenciam na maneira de ensinar e como nós, alunos, podemos ajudá-los a passar por esse momento complicado.

Em nome do corpo discente do nosso colégio, valorizamos o trabalho de cada profissional de educação que nos possibilita meios para estudar, um privilégio que muitos estudantes não possuem, e agradecemos todo o esforço que vem sendo feito para nos garantir um ensino de qualidade, que será retribuído no futuro. Sabemos que não está sendo fácil e queremos ajudá-los da forma que for possível, assim como vocês nos ajudam todos os dias.


A valorização do professor no Brasil

Recentemente, a polêmica envolvendo a youtuber Débora Aladim, cujo canal é conhecido entre os jovens por oferecer conteúdos didáticos da área de humanas, levantou uma questão importante que vem sendo cada vez mais discutida: a valorização do professor no Brasil. É certo que Débora é uma grande referência entre os estudantes, fruto da sua participação em muitas das discussões sobre assuntos que envolvem a educação e vestibulares, e pela viabilização de conteúdos que ajudam muitos alunos na hora das provas. Ela se tornou ainda mais influente após disponibilizar cursos online de R$1,99 para estudantes de baixa renda em meio à pandemia, e, por isso, seu trabalho acaba sendo cada vez mais admirado.

O problema começa quando a estudante de história, que nem sequer concluiu a faculdade e não possui nenhum título de licenciatura, passa a dar aulas sobre assuntos sobre os quais ela não estudou, como aulas de redação, e é vista como uma grande profissional da educação pelo público, que constantemente desvaloriza o trabalho daqueles que realmente enfrentam as dificuldades que a profissão traz. A youtuber não precisa lidar com salas lotadas, horas em pé, planejamento diário de aulas, situações desagradáveis no ambiente de trabalho e, muitas vezes, recebendo salários que não condizem com o esforço aplicado. Mesmo assim, muitas pessoas nas redes sociais a associam a posições de, por exemplo, “Ministra da Educação”.

Os conteúdos disponibilizados por ela são capazes, sim, de auxiliar qualquer um que os consuma, principalmente alunos que frequentam escolas com estruturas precárias (casos comuns no Brasil), e acompanhar seus vídeos pode ser uma boa forma de estudar utilizando conteúdos além dos que são oferecidos nas escolas. Entretanto, é preciso entender que, por trás de cada aula, existe um estudo acadêmico e a dedicação de cada profissional, e estes precisam ser ainda mais valorizados em comparação com youtubers de educação.


Adriano Maia (Educação Física)

Entrevistamos Adriano Maia, de 45 anos. Adriano possui graduação em Educação Física pela UFMG, uma pós-graduação em Aprendizagem Motora pela USP e outra pós-graduação em Prescrição de exercícios na reabilitação cardíaca e grupos especiais pela UGF. O professor dá aulas há 23 anos, sendo 16 no Colégio Santa Maria Minas.


1. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas? Ela influencia, de alguma forma, sua vontade de ensinar, animação e, até mesmo, sentimentos? Como?

A participação dos alunos com certeza faz diferença! Torna a aula mais interativa e agradável para todos. Falar para um computador sem ter resposta é muito estranho. O feedback dos alunos é fundamental!


2. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto? Você enfrenta dificuldades para administrar seu trabalho?

O ERE veio como um furacão. Agora estamos nos adaptando a esse furacão. A maior dificuldade é administrar o tempo na frente do computador. Se deixar, fico o dia inteiro trabalhando.


3. Você se sente sobrecarregado?

De uma forma geral, aumentou de forma significativa o trabalho. Cansa, mas ainda bem que estou trabalhando!


4. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho? Como vocês apoiam uns aos outros?

Conversamos sim, assuntos aleatórios.


5. Você se sente acolhido pelos alunos?

O acolhimento existe sim! Cada turma de uma forma, mas o carinho existe!


6. Do que você mais sente falta em relação às aulas presenciais?

Sinto falta do contato com os alunos, das brincadeiras em conjunto, dos abraços, das conversas em geral.


7. Queremos ajudar os professores a se sentirem bem diante de todos os problemas, e queríamos ouvir de vocês: existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Uma maior participação nas aulas vai deixar o ambiente mais leve!


Flávia Morato (Arte e Literatura)

Entrevistamos Flávia Morato dos Santos, de 34 anos. Formada em Direito e em Letras, com duas pós graduações: uma em Letras e outra em Educação. A professora dá aula há 9 anos, sendo 7 no Colégio Santa Maria Minas.


1. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas? Ela influencia, de alguma forma, sua vontade de ensinar, animação e, até mesmo, sentimentos?

Faz muita diferença. As perspectivas educacionais têm mudado muito e as metodologias ativas têm se mostrado eficientes para promover um ensino melhor, e quando os alunos não participam, é difícil de o professor desenvolver essas metodologias ao longo da aula, e aí a gente fica só no esquema de aula expositiva mesmo. Quando eu explico alguma coisa nas aulas presenciais, eu consigo ver na expressão de vocês se todo mundo entendeu ou não, tem esse feedback imediato. Com as câmeras fechadas eu não tenho como saber. Então se o aluno não participa, eu não sei se ele tem dúvida, se a aula tá chata, se tá tudo certo. É mais complicado.


2. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto? Você enfrenta dificuldades para administrar seu trabalho?

A dificuldade é muita, acho que pra todo mundo. Aqui em casa meu marido trabalha 8 horas por dia, e eu dispensei a moça que trabalha aqui por segurança, mas continuo pagando. Fico sem ajuda, e eu tenho uma filha de 3 e uma de 2. Mesmo no maternal, uma delas tem aula ao vivo duas vezes por semana, e quase nunca dá pra acompanhar, porque é no mesmo horários das minhas. Além disso, tem que fazer almoço, arrumar casa, lavar roupa, preparar aula pro dia seguinte, é uma loucura. Eu trouxe a minha mãe pra passar a quarentena comigo e me ajudar a olhar as meninas, o que já me dá um alívio, mas ainda tenho que preparar aula, trabalho, etc. É meio caótico, mas a gente vai levando.


3. Você se sente sobrecarregada?

Total. Mas enfim, a gente amanhece, fala bom dia e começa, senão não tem jeito.


4. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho? Como vocês apoiam uns aos outros?

Nós até conversamos, mas as conversas que eu tenho tido, pelo menos, é quase tudo sobre trabalho. Em relação às outras coisas eu até tenho apoio, mas são de professores que já eram meus amigos antes de eu entrar no colégio. Eles falam que estão passando por situações bem parecidas, tanto em relação aos alunos, quanto em relação aos professores, o que é muito bom, porque assim eu sinto que não somos os únicos passando por isso. Mas lá dentro do colégio é mais questão de trabalho mesmo.


5. Você se sente acolhido pelos alunos?

Sim, eu me sinto. Durante as aulas (pelo menos dos alunos que participam e que interagem comigo) eu tenho recebido até muito carinho. Até teve uma situação que eu achei muito legal, que foi quando minha internet caiu nos últimos 15 minutos da aula e quando eu consegui voltar, vi muitas mensagens como: “Flavinha, não preocupa não, isso acontece”, e só tinha mensagens de apoio, não tinha ninguém reclamando.


6. Do que você mais sente falta em relação às aulas presenciais?

Do contato com os alunos, de ver vocês, sabe? Porque só vocês me veem, é horrível, vocês não têm noção. Eu só vejo um tanto de círculos com iniciais.


7. Queremos ajudar os professores a se sentirem bem diante de todos os problemas, e queríamos ouvir de vocês: existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Melhorar o ambiente da aula online é participar. Pode parecer básico se você pensar num cenário de aula presencial, mas com toda essa falta de contato, o retorno de vocês faz muita falta. Eu estou ali tentando fazer com que exista uma aprendizagem, não para ficar expondo os conhecimentos que eu adquiri na faculdade. Se vocês não falarem, não tem como saber se vocês estão entendendo. É importante que haja essa interação para que a aprendizagem aconteça, sem interação não há aprendizagem, por isso eu insisto tanto para vocês participarem, porque realmente faz diferença, além de que o tempo passa mais rápido e é mais produtivo. É a interação.


Thiago Carlos Costa (Sociologia)

Entrevistamos Thiago Carlos Costa, de 39 anos. Nascido em 07 de dezembro de 1980, o professor possui graduação em História na PUC Coração Eucarístico, mestrado em Letras na UFMG e é doutorando na UFMG. Dá aulas desde 2004 e leciona na Rede Santa Maria Minas desde 2019, nas unidades Pampulha e Coração Eucarístico.


1. Por que sociologia?

Sempre quis trabalhar com algo que gostasse. Tinha dúvidas entre cursar Jornalismo, Educação Física e História, mas devido ao mercado de trabalho, optei pelo curso de História, que engloba Sociologia, matéria que me interessava. Quis ser professor pelo fato de gostar de estudar e ensinar Sociologia para o Ensino Médio, onde sinto uma troca maior de calor humano. Além disso, existem mais oportunidades de trabalho devido ao curso que escolhi.


2. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas?

A participação dos alunos me motiva demais. A sintonia é muito grande e me sinto incentivado para inovar nas minhas aulas, buscando sempre a melhor relação com meus alunos.


3. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto?

Você enfrenta dificuldades para administrar seu trabalho? Sinto dificuldade em me organizar no ERE, nunca imaginei que isso aconteceria. Sempre tento me reinventar, já que tudo isso é um novo processo de ensino.


4. Você se sente sobrecarregado?

Sinto bastante sobrecarga por ter muitas tarefas juntas. Também tenho medo da doença, e é desconfortável estar sempre no mesmo ambiente, que é a minha casa. Fico com um cansaço físico e mental, mas estou adaptando minha rotina.


5. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho?

Como vocês apoiam uns aos outros? Os professores se ajudam demais e são amigos. Acredito, inclusive, que estamos nos aproximando através dos meios virtuais, para nos ajudarmos e apoiarmos.


6. Você se sente acolhido pelos alunos?

Me sinto acolhido, amado e motivado pelos estudantes.


7. Do que você mais sente falta em relação às aulas presenciais?

Sinto falta do bate-papo, da rotina de sair de casa, da correria e de encontrar os alunos na escola. Sinto falta até dos cheiros da escola, me sinto preso em casa.


8. Existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Uma das funções de vocês é nos dar ferramentas para pensar. Por isso não gosto de cobrar, não quero deixar os alunos constrangidos. Prefiro aplicar mecanismos que deixem vocês mais próximos e bem à vontade.


9. Vida pós pandemia. Haverá mudanças?

Defina a pandemia em duas palavras. Duas palavras que podem definir a pandemia são Resiliência e Empatia. Pessoalmente, acredito que depois da pandemia, muita coisa vai mudar. Muitas pessoas mudarão, terá uma quebra de paradigma, com novas perspectivas, e mais afeto e atenção. Na visão sociológica, terão que realizar reinvento, com novas perspectivas de vida e protocolos. A sociologia aplica o ensinamento e a sociedade pós-pandemia não será a mesma.

Durante esse período, é importante que os alunos se conscientizem dos sentimentos dos professores. Reconhecer seu esforço, atenção e dedicação é essencial para que se sintam acolhidos e motivados. Após a entrevista, foi possível perceber que, como ser humano, Thiago se esforça ao máximo para encaixar seus compromissos junto com as aulas, dando o melhor de si em cada aula e em cada tarefa realizada por ele fora da escola. O professor conseguiu englobar todos os seus gostos na sua nova rotina e adaptação, dedicando-se para que tudo funcione bem. Vemos Thiago como um exemplo de profissional e pessoa, e temos sorte por tê-lo em nosso corpo docente!


Frederico Sacramento (Física)

Entrevistamos Frederico Sacramento Horta Moreira, de 37 anos. Fred é formado em Física pela UFMG, e leciona há 17 anos, 6 no Colégio Santa Maria Minas.


1. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas?

A participação faz muita diferença. O interesse dos alunos na aula é um combustível muito poderoso para a aprendizagem, além de tornar o trabalho muito mais prazeroso.


2. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto? Você enfrenta dificuldades para administrar seu trabalho?

A mudança de horários, de ritmo e de forma de dar aula implicou em uma nova adaptação. Mas já me sinto mais adaptado. Cada dia a gente vai evoluindo, aprendendo e buscando coisas novas no ERE.


3. Você se sente sobrecarregado?

Sim, é natural ter que adaptar todo o processo de aprendizagem remotamente.


4. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho? Como vocês apoiam uns aos outros?

Estamos nos apoiando sempre, indicando ferramentas, sites, tirando dúvidas uns dos outros. É uma comunidade que se ajuda bastante e me sinto muito grato a meus colegas por todo apoio nesse período. A gente conversa sobre vários temas fora da aula, tais como: futebol, séries, nossas vidas na pandemia etc. Amizade muito boa.


5. Você se sente acolhido pelos alunos?

Sim. Receber um bom dia, agradecimento pela aula e tal, mesmo que remotamente, faz uma diferença danada.


6. Do que você mais sente falta em relação às aulas presenciais?

Do contato direto com as pessoas. A interação presencial é fundamental no processo de formação do ser humano.


7. Existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Participem das aulas e interajam com os professores. Enfim, diminuam o distanciamento do ERE com o carinho de vocês. É muito gostoso receber o carinho e a participação de vocês, mesmo que apenas pelo chat.


Elair Martins (Geografia)

Entrevistamos Elair Martins, de 53 anos. Elair é formado em Geografia pela UFMG, tem pós-graduação em Educação Ambiental e Gestão Ambiental, em Educação de Jovens e Adultos e em Geografia e Meio Ambiente. O professor dá aula desde 1996, há 24 anos. “Assim que eu formei comecei a trabalhar, primeiro em cursinho pré-vestibular por 5 anos. Fui professor no Estado, passei em 2 concursos no Estado. Assumi, mas depois saí. Passei no concurso da Prefeitura de Belo Horizonte, então sou professor concursado da Prefeitura de Belo Horizonte tem 18 anos, sou professor no Santa Maria há 18 anos também, o tempo que eu tenho de professor no Santa Maria é o tempo que tenho de professor concursado, então já tem aí... um 'tempinho 'bão 'né?".


1. Do que sente mais falta em relação às aulas presenciais?

Dos alunos! Os abraços, os coraçõezinhos, os “bom dia”, chegar na sala e estar uma zona, organizar a sala. Eu realmente sinto falta dos meus alunos. Estar com a juventude, pra mim, é uma das melhores coisas que eu faço na vida. E dos meus amigos também, claro. É importante para nós, seres humanos, que nascemos pra isso: nos relacionarmos, e a educação parte da relação. Pra mim, a sala de aula é um palco. Gosto de ficar lá na frente. Apesar de não parecer, eu sou um cara tímido, mas na sala de aula é diferente. Me sinto muito à vontade com os alunos. O ERE é uma coisa nova. Eu nunca tinha participado, nem como aluno nem como professor, então tive que me adaptar, adaptar as minhas aulas, me preparar mais. Sem o auxílio dos recursos audiovisuais fica difícil, então a internet ajudou um pouco nessa questão, para que o aluno tenha uma referência assistindo às aulas. Se eu passar uma aula só discursiva, ela fica extremamente cansativa. Então, nas minhas aulas, utilizo essa parte de apoio, filmes, apresentações de powerpoint. Também trabalho com os livros didáticos. A gente acaba tendo que se reinventar um pouco. Eu gosto muito de utilizar o quadro, é bom instrumento de apoio. Ele ajuda na concentração dos alunos, já percebi que quando utilizo o quadro, ou algum outro recurso audiovisual, o aluno presta mais atenção do que quando nós utilizamos somente a aula expositiva.


2. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas? Ela influencia, de alguma forma, sua vontade de ensinar, animação e, até mesmo, sentimentos? Como?

Eu não sei se é essa a questão, mas o ambiente virtual parece fazer o aluno ser mais tímido ainda em relação à participação, a gente vê essa dificuldade. Não sei se é porque há possibilidade da gente estar gravando a aula, o que não existe na aula ao vivo, aquela coisa que eu sempre falo: o que se faz na sala de aula, fica na sala de aula. Acho que na aula virtual os alunos sabem que a aula está sendo gravada, que isso pode ser resgatado, que pode ter um colega gravando também, se o aluno aparece despenteado, fala alguma coisa errada, que ele pode acabar virando um meme por conta disso, e eu sei a importância que isso tem pra vocês. Eu falo pra vocês com sinceridade que existe um medo muito grande dos professores das aulas gravadas também, que qualquer deslize ou ato falho durante as aulas pudesse viralizar, então muitos professores não se sentiram confortáveis nessa situação, com esse medo de se exporem nas aulas ao vivo. Pelo menos nas aulas que trabalhei remotamente até hoje, não encontrei nenhuma situação que eu não tivesse o controle. Eu sei que já aconteceram algumas coisas na escola e em outras escolas também, porque a gente acompanha e sabe o que acontece em relação a isso. Mas isso não aconteceu comigo, e eu agradeço principalmente aos meus alunos por terem compreendido esse ambiente diferente. De uma certa maneira, isso é um pouco massante pro aluno isso. Ele tem que ser estimulado, estar num ambiente diferente, porque vocês ficam no quarto de vocês (eu costumo falar pras minhas filhas que é a caverna, vocês têm suas cavernas aí também 'né?). Tem aluno que assiste aula deitado, de pijama, e por aí vai: fora do ambiente de aprendizagem. Porém sinto que estamos invadindo o espaço dele, da casa dele, estamos ali como intrusos. A aula online é como se fosse um intruso. Eu gostaria que vocês assistissem a aula de câmera aberta, que pudesse ter essa duração maior, até porque, falando com sinceridade, apesar de tímido, eu gosto muito de gente e de me relacionar.


3. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto?

Consegui dominar bem, no início foi um pouco mais complicado, mas agora é mais tranquilo. Acredito que é mais complicado que dentro de sala de aula, onde temos o domínio do ambiente e a relação é mais rica, porque há uma interação maior entre as pessoas. No ERE, essa interação é mais difícil. Eu, particularmente, não gosto de aula gravada. Gravar a aula é um instrumento válido, que facilita a vida do professor (se ele tem 3, 4 turmas, grava a aula uma só vez), mas que eu particularmente não me sinto à vontade, porque acredito que é importante para o aluno me ter presente. Então, nessa pandemia e nesse modelo que estamos adotando na escola (isso não é crítica para quem utiliza, deixando isso bem claro), eu me encontrei melhor fazendo aulas síncronas, porque quero ter a possibilidade de interagir com o aluno se ele necessitar. É uma situação nova que estamos aprendendo. O mesmo cuidado que temos nas aulas presenciais, temos que ter nas aulas online, mantendo as normas que fazem a boa convivência, a educação, a questão de estar conhecendo o aluno. Eu prezo muito isso. Falo o nome de todo mundo na chamada, acho importante estar lá e o aluno saber que ele está presente pra mim. Meu ‘bom dia’ é uma chamada. É importante o aluno perceber que a presença dele é importante pra mim, que ele se sinta valorizado e saiba que a presença dele faz diferença. Essa é a visão de educação que eu tenho. Acredito que estamos nos adaptando.


4. Como você percebe as diferenças entre o ensino remoto e o presencial?

Há vantagens de estar nesse processo, e ter conseguido dominá-lo, mas nunca vai substituir a aula presencial. A não ser nos sábados. Gente, quando tiver sábado letivo vai ser remoto, né? [ri] Isso é até uma ideia que eu já falei com o Haroldo: quando voltar o presencial, sábado letivo vai ser aula remota! [ri]. É uma ferramenta nova, que podemos utilizar em outros momentos. Mas, como professor, ela não substitui o ensino presencial. O professor e o aluno tem que estar no mesmo espaço para que eu possa ter um conhecimento maior da realidade de vocês. O espaço da sala de aula é fundamental para que essas interações permitam que a aprendizagem possa se dar de uma forma mais significativa. O ERE é necessário, mas só nesse momento. O presencial é fundamental, principalmente pros jovens, crianças e adolescentes. A escola é uma referência importante na vida de vocês, frequentar a escola e estar com os colegas é importante. Estar perto de vocês é importante pra mim, da mesma maneira que estar perto de mim é importante pra vocês.


5. Como está sendo a administração do seu trabalho? Se sente sobrecarregado?

Eu trabalho à noite e é com jovens e adultos, e não tem como fazer na rede pública o semipresencial. Não estar trabalhando à noite ajuda bastante, porque tive que aprender a reorganizar os tempos. Por um lado, aula remota ajuda sem o deslocamento, e a aula rende mais, porque não temos a transição, não precisa colocar um por um sentado, aquelas coisas todas (não que seja ruim, é importante também, é próprio da juventude isso), mas a aula online demanda um tempo maior de preparação se a gente for utilizar o material de apoio. Você gasta tempo procurando vídeos, tenho uma videoteca muito boa no computador, mas tem muitas coisas que vão ficando defasadas. Alguns vídeos e canais do Youtube ajudam muito (mas isso tudo demanda um tempo, se eu for passar pra vocês um vídeo de 20 minutos, eu tenho que assistir esse vídeo). Demanda um tempo de pesquisa, e tenho que fazer isso pra, no meu caso, 11 turmas. São 11 turmas que eu tenho de procurar material, baixar o material, gerenciar o canal, e trabalhamos com plataformas diferentes, então, por exemplo, eu trabalho com a "Plurall", com o "Meet", com o "Google Classroom", a "Geekie one", e a "Teams". São 5 plataformas para gerenciar, 7 contas de e-mail e ainda tenho 4 grupos de Whatsapp! Isso só do Santa Maria, dos outros de fora são mais 2. Então, às vezes fico um pouco perdido. E ainda tem que gerenciar aluno [ri]. O canal de comunicação com vocês é complicado, a maioria dos alunos de 15 anos não acessa o e-mail. O Whatsapp ajuda muito, tenho o contato de representantes que me ajudam na comunicação.


6. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho? Como vocês apoiam uns aos outros?

Quando tivemos que implantar o ERE, também não foi fácil, não tivemos treinamento. Foi tudo muito rápido. As duas semanas que tivemos pra implementar isso demandaram também um processo que construiu a gente, porque aprendemos muita coisa vendo tutoriais. A urgência foi colocada. De uma hora pra outra, todas as escolas, colégios, faculdades, tiveram que implementar o ERE, e esse processo foi complicado para alguns professores. Eu tenho uma certa facilidade com tecnologia, apesar de ser um pouco velhinho [ri], lido com tecnologia há mais de 30 anos. Mas sabemos que tem muita gente com dificuldade. O que a gente faz é se ajudar! O tempo todo estamos nos ajudando, interagindo. Isso criou uma cooperação e aumentou a amizade entre nós. Como não tivemos um processo de formação oficial, tivemos que nos ajudar em grupos, reuniões, e cada um que conseguia dominar, repassava para os outros. Isso foi importante, porque criou uma identificação maior entre nós. A gente sabia que a instituição precisava da gente nesse momento, porque era importante o sistema funcionar o mais rápido possível para que as aulas voltassem. Isso pra nós foi um desafio que tivemos condições de vencer. Tivemos que nos desdobrar muito, agradeço aos colegas que me ajudaram, da mesma maneira que eu fiz de tudo para ajudar os colegas também. Nós, professores, temos o grupo oficial e o grupo paralelo do Whatsapp [ri], onde a gente não fala de trabalho, falamos de outras coisas: futebol, política, cultura, trocamos informações, jogamos na mega sena[ri]. Eu sinto falta dos meus amigos, dos momentos na escola, das salas dos professores, dos corredores, da saída. Estamos sempre conversando, alguns a gente fala um pouco mais, outros a gente encontra só nos grupos. Mas estamos sabendo das novidades e estamos sempre conversando e nos ajudando. Hoje estamos 'suave', dominamos mais as plataformas, os medos iniciais vão desaparecendo. Isso foi importante e é algo que vai ficar, mesmo que a gente volte ao presencial, sabemos que as tecnologias vão favorecer. Por exemplo, quando voltar o presencial, não farei provas de papel, faremos online, com o chromebook no 'modo prova' para vocês não poderem acessar internet, economizando papel. Sempre privilegiamos muito a questão das provas físicas, e de uma hora pra outra não tem mais prova física! Então como vamos fazer? Vamos arranjar outras maneiras para avaliar, pra que isso também possa ser integrado à nossa cultura. Quando voltarmos ao presencial, nosso esquema vai mudar também! É claro que as provas físicas são importantes, mas, por outro lado, as novas formas de avaliar estão nos ensinando bastante, ajudam a romper com o tradicionalismo escolar das provas escritas, isso é uma coisa boa também, que vai se manter.


7. Você se sente acolhido pelos alunos?

Gosto muito dos meus alunos e os agradeço muito. Quando eu me aposentar (se Deus quiser!), eu vou comprar um troller e eu e minha mulher sairemos viajando. Nele, vou mandar fazer um adesivo escrito “esse quem me deu foram os meus alunos”, pra vocês poderem viajar junto com a gente. Eu aprendo muito mais com vocês do que vocês aprendem comigo, às vezes vocês não conseguem entender essa dimensão, de que quem trabalha com juventude se sente jovem. Isso é importante pra mim. Tenho 53 anos, mas me sinto jovem, ao contrário da maioria dos homens da minha idade. Quem me torna jovem são meus alunos e minhas filhas (uma de 18 e outra de 15). Vocês me ajudam a entender minhas filhas e elas me ajudam a entender vocês. Se eu não entender vocês como vocês são, é impossível trabalhar. Resgato um pouco da minha juventude com vocês (uma época mais difícil ainda, cresci na época da ditadura). Dito isso, me sinto muito acolhido pelos meus alunos, são extremamente carinhosos comigo. Tenho 18 anos na escola, e nesses anos foram raras as vezes que tive problemas com alunos. Acredito que isso se dê por uma questão de empatia. Da mesma maneira que eu gostaria de ser tratado, eu tento tratar também as pessoas que convivem comigo. Vocês têm a melhor virtude: serem jovens. Tempo de consertar os erros, aprender com eles. Eu não posso errar muito, o tempo pra mim é menor, talvez eu não tenha tempo pra corrigir. Quando lidamos com juventude, somos exemplos, não posso exigir do aluno uma postura que eu não adoto. É sobre reciprocidade. Tudo volta pra gente, como não quero que o mal volte, tento ser um bom pai, um bom professor, bom companheiro, bom amigo e um bom cidadão. É o mínimo que posso fazer na minha existência. Eu tenho uma ideia um pouco diferente do professor. Pra mim, professor e aluno estão sempre no mesmo patamar, nós somos facilitadores do ensino, então não existe hierarquia dentro da educação. Acabam transformando o professor em título: professor é aquele que professa algo. E na realidade, eu acho que a relação mais interessante seria a de mestre e aprendiz, ou seja, somos seres humanos que temos experiências a serem transmitidas e experiências a serem absorvidas também.


8. Como está a sua saúde mental?

Minha saúde está tranquila. Estou tranquilo, forte, bonito, batendo meus recordes de ciclismo. Isso está bom pra mim. Tenho me cuidado bastante, e cuidado da minha família, tomando todos os cuidados ao sair. Temos uma casa confortável graças ao nosso trabalho (conseguimos isso sendo professores, somos professores por opção e não por falta de opção, somos orgulhosos do que fazemos). Em termos de conforto e acesso às coisas, não podemos reclamar de nada. Estamos trabalhando bem, continuamos recebendo, também não tivemos problemas financeiros por conta da pandemia. Isso ajuda a passar por esse período difícil. O fato de estarmos em casa incomoda, mas temos casa. O meu trabalho, o auxílio à família e a reorganização durante esse período consomem muito tempo. O que me ajuda muito é fazer atividade física regular, conversar com a família (somos uma família de diálogo, estamos nos dando bem, não tivemos conflitos que escapassem do normal. Respeitamos o espaço um do outro, isso ajuda também. Estamos nos conhecendo melhor, estamos mais juntos, isso é ótimo) e amigos, e nos organizar.


9. Existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Ter compreensão, entender que o professor está em uma situação de fragilidade. Compreender as dificuldades que o professor possa ter. E serem carinhosos, é importante para que ele se sinta acolhido. Lembrem-se que é uma via de mão dupla, se você dá carinho, recebe carinho. Todo mundo precisa se sentir importante, é legal saber que somos importantes e fazemos diferença para vocês. Vocês poderiam externar esse carinho, não precisa ser nada falso.


Vanise Cristina (Biologia)

Entrevistamos Vanise Cristina Coura Freitas Mariano, de 40 anos. A professora é formada em Ciências Biológicas, com especialização em Microbiologia e pós-graduação em ensino de Ciências e Biologia. Leciona há 22 anos, sendo 11 deles no Colégio Santa Maria Minas.


1. A participação dos alunos faz diferença nas suas aulas? Ela influencia, de alguma forma, sua vontade de ensinar, animação e, até mesmo, sentimentos? Como?

Com certeza. A participação é, pro professor, motivadora. Ela mostra que o que o professor está propondo pra turma é interessante e incentiva o professor a buscar mais recursos para aulas mais dinâmicas e interativas. Então, na minha visão, a participação é extremamente importante, principalmente nesse ensino remoto agora, porque, muitas vezes, a gente está com a câmera desligada, e o aluno responder uma pergunta, fazer alguma colocação com algum conhecimento que ele já tem torna a aula mais agradável, mais interessante. É muito importante que o aluno dê esse feedback pro professor, pra que ele fique motivado a estar sempre buscando uma aula mais rica em informações, em dinâmicas, para que as aulas fiquem mais interessantes.


2. Como está sendo sua adaptação ao ensino remoto? Você enfrenta dificuldades para administrar seu trabalho?

Eu estou bem adaptada ao ensino remoto, porque eu consegui fazer o uso dessas plataformas de forma rápida, e, na escola, a gente trabalha com mais de uma. No caso da primeira série, a gente usa o Google, e nas outras séries nós usamos o Microsoft Teams. Então, temos várias plataformas em uso. Mesmo assim, a gente tem buscado usar essas plataformas de uma forma que a gente consiga uma interação maior com vocês. A dificuldade é em relação ao distanciamento, porque, presencialmente, a gente tem o olhar do aluno e conseguimos perceber, através das reações dele, uma pergunta que seja motivadora, que seja investigadora. Quando a gente está presente na sala de aula, o contato físico faz muita diferença. Remotamente é difícil, porque vocês ficam com as câmeras desligadas, então a gente não vê o rostinho de vocẽs, não vê a expressão, não vê aquele olhar, se tem dificuldade, se tá demonstrando se compreendeu realmente uma explicação de conteúdo... A maior dificuldade, pra mim, é essa, porque, remotamente, eu pergunto: “Gente, tudo bem? Vocês entenderam a explicação?’’, e o retorno que eu terei é a voz de vocês. Às vezes, alguém responde usando o chat, não responde falando, mas a voz faz toda a diferença. Eu prefiro que me respondam falando do que escrevendo, porque é uma forma da gente aumentar essa interação, fazendo uso de um recurso que, visualmente, não está acontecendo. Então, a maior dificuldade pra mim é a ausência da imagem de vocês.


3. Você se sente sobrecarregada?

De certa forma, me sinto sobrecarregada em relação ao conjunto de atividades, porque não é só a escola. Além de estarmos nos adequando a essas condições novas de trabalho, de aprender a usar recursos novos, ferramentas novas que antes a gente não utilizava, tem a família também. A sobrecarga é muito grande porque eu tenho duas filhas. Uma das minhas filhas estuda e precisa de orientação com as atividades escolares, mas tenho os meus deveres de casa também. Além da escola, eu tenho a minha família e tenho a minha casa pra cuidar. Conseguir trabalhar com as aulas tendo que controlar a situação com as crianças ao mesmo tempo, dentro de casa, está sendo cansativo.


4. Vocês, professores, conversam entre si sobre assuntos além do trabalho? Como vocês apoiam uns aos outros?

Sim, conversamos sobre outros assuntos, temos amizade além da escola, então os assuntos são bem variados. Nos apoiamos sempre, todos nós temos dificuldades, e quando algum professor tem uma dificuldade sempre tem alguém com a resposta para ajudar. Até nos momentos de muito cansaço tem alguém. Sempre uma palavra amiga, de apoio, dando suporte. Existe apoio entre nós tanto nas questões de trabalho quanto nas dificuldades emocionais.


5. Você se sente acolhida pelos alunos?

Recentemente, eu recebi uma surpresa de uma turma, em que um grupo ligou a câmera para que eu os visse. Fiquei muito feliz, e foi um grupo grande que abriu a câmera e apareceu dizendo que estava dando certo, que as aulas estavam funcionando e que eles estavam ali presentes, participando e demonstrando toda uma gratidão. Eu fiquei muito emocionada e me senti mais do que a acolhida, recebi uma motivação muito grande. Foi gratificante ver que todo meu trabalho, que acontece durante o dia e à noite, está rendendo bons frutos. Essa gratidão dos alunos em relação às aulas que eu tenho dado me deixa muito feliz.


6. Do que você mais sente falta em relação às aulas presenciais?

Eu sinto muita falta do contato e do olhar, porque quando você está perto do aluno, você consegue ver quando ele está com dificuldade e se está entendendo a matéria, consigo ajudar melhor nas suas dificuldades, por isso prefiro que eles falem pelo áudio. Dessa forma, eu consigo ouvir a voz e ter uma noção se ele está tendo muita dificuldade e entendeu a minha explicação.


7. Existe algo que os alunos possam fazer para amenizar o estresse causado pela pandemia?

Tentar ter uma interação com o professor, mesmo que seja por áudio e por mensagem. Precisamos muito desse retorno, porque o silêncio incomoda. Vocês podem aumentar essa interação, perderem um pouco dessa vergonha de falar com professor, de conversar a respeito de alguma coisa e ter uma maior comunicação com professor durante as aulas remotas. É importante ter uma participação quando a aula está acontecendo.


Redatoras: Beatriz Lara, Gabriela Queiroz, Júlia da Cruz, Lisandra Reis, Luísa Ozório, Maria Clara Campos, Mariana Rezende, Nayara Demétrio, Sarah Pepino e Tássia Fernandes

Repórteres: Ana Clara Maia, Caio Souza, Guilherme Muniz, Ícaro Alves, Larissa Ozório, Luane Silveira, Mariana Lopes, Paula Barros, Pedro Lobo e Sophia Diniz

Desing: Lara Belico

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